Vivo por ela
Escrevo. Bem além do que ressinto
Ou sinto ou do que vejo. Muito mais.
Escrevo por questão da alma, do instinto,
Do sonho mais que as sombras factuais!
Não tenho musa ou fé ou inspiração,
Escrevo em dor, talvez, por coisa alguma…
Preciso, e não há o luxo da omissão!
Escrevo à solidão que me acostuma;
É belo e, sobretudo, passarinho…
Às vezes voa às nuvens soldoradas
E, n’outras, preso em cárcere, sozinho.
Eu escrevo… e quando a morte inconsolada
Bater à porta d’esta alcova minha…
Com vasta calma irei-me à escrivaninha…
“Adeus” — escreverei — “muito obrigada”.
Que fosses ente e crer-te eu sempre iria | No alvor rogar-te em puro amor vestal | Que fosses a Verdade, eu saberia…
Circunda-me gris noite, estou tão só… | Por vezes dói, minh’alma s’esvazia | E lembro hei de tornar-me reles pó | Da vida cuja bruma é primazia…
Assim fragmentar-me e à tez sentir, | Aroma, calidez, silêncio a sós… | Desvelo uma clareira do existir | Às cordas d’este tempo em rijos nós…
Cultivada no seu próprio solo, a maldade humana é uma brincadeira de mau-gosto do acaso; uma construção perversa do sistema; uma condição morbígera…
Nas grotas d’uma lôbrega passagem, | A balça gris e sôfrega, que à vista, | Ornava em medo fúnebre a viagem | Aos versos d’um plangente sonurista;…
Pressinto as outonais aragens frias | No âmago e às janelas, devagar… | O belo movimento em pradarias | Tão símeis aos meus sonhos — meu lugar;…
Kalimba lacrimosa em noite fria: | Sonido de lamúria em languidez, | Se o toque lhe conduz e acaricia | Silêncios mui se prostram — placidez...
Raríssimos cristais d’olhos chorosos | Regaram-me o jardim do peito e a dor | Nascera envolta n’água, pois ditosos | Langores deram vida à ave Candor*…
Poeta, Escritora e Sonurista, formada em Psicologia Fenomenológica-Existencial e autora dos livros “Sonetos Múrmuros” e “Sete Abismos”. Sahra Melihssa é a Anfitriã do projeto Castelo Drácula e sua literatura é intensa, obscura, sensual e lírica. De estilo clássico, vocábulo ornamental e lapidado, beleza literária lânguida e de essência núrida, a poeta dedica-se à escrita há mais de 20 anos. N’alcova de seu erotismo, explora o frenesi da dor e do prazer, do amor e da melancolia; envolvendo seus leitores em um imersivo, e por vezes sombrio, deleite. A sua arte é o seu pertencente recôndito e, nele, a autora se permite inebriar-se em sua própria, e única, literatura.
Escrevo. Bem além do que ressinto | Ou sinto ou do que vejo. Muito mais. | Escrevo por questão da alma, do instinto, | Do sonho mais que as sombras factuais!