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Morlirismo
Morlirismo… nome sussurado pelo abismo no velado eco entre o corpo e o espírito. Uma corrente literária — ou talvez, mais do que isso, um abrigo para almas que jamais se deixaram domesticar pelos contornos triviais do mundo. Um templo sem paredes, cuja primavera floresce de um único lírio. Sim, uma só flor… e, ainda assim, eu a chamo primavera. Porque não há estação mais verdadeira do que aquela que desabrocha dentro de quem sente.
Embora eu incline meu olhar reverente ao Ultrarrromantismo, embora meu peito se embriague no negrume da Literatura Gótica — não me pertenço a tais. Nem por um átimo de eternidade. Porque, em mim, pulsa uma fome mais estranha, mais dilacerante, mais pura. O Morlirismo é a exaltação absoluta do sentir. É a devoção à lapidação da palavra, não como adorno, mas como essência — como quem entalha a própria alma em mármore, sem temor de sangrar.
É um culto ao sensível. Uma mística do existir. Uma fenomenologia verbal, onde a palavra não descreve — transubstancia. Onde não basta escrever, é preciso ser escrito. Mergulhar no questionamento até que a pele se dissolva, até que reste apenas o âmago nu — e, mesmo assim, perguntar-se: o que sou? o que é a vida? por que há morte?
Seu símbolo é o lírio. Não por acaso. Porque o lírio é vestal, casto e imaculado na aparência, mas em sua fragilidade carrega o presságio da decomposição, da finitude, da fragilidade — e nisso reside a sua beleza. Aqui, no Morlirismo, o lírio não é flor de altar nem de cemitério: é flor do espírito, que perfuma a angústia de existir e testemunha a fé sem objeto, sem dogma, sem Deus.
Pois aqui, a fé não é crença. É vertigem. É a coragem de lançar-se ao abismo do próprio ser… sem garantias, sem chão, sem promessa de salvação. A fé, no Morlirismo, é poesia encarnada — é o gesto de quem sabe que tudo é transitório, e ainda assim escolhe florir.
Morlirismo é retorno. Retorno à palavra enquanto relicário. À linguagem enquanto santuário. É insurgência contra o empobrecimento do verbo, contra a pasteurização da literatura, contra a insipidez dos discursos fáceis, dos sentimentos reduzidos a estereótipos.
Aqui, cultua-se o rigor. A precisão do verbo. A estética da lapidação. Porque só assim, tensionando a língua até que ela fira, se pode talvez — e apenas talvez — dizer o indizível. Nomear o que vive nas margens do sentido.
E que assim seja... Que os lírios do Morlirismo floresçam nas frestas da existência, entre as rachaduras do mundo moderno, como preces mudas, como vestígios de uma humanidade que ainda se lembra de sentir… e de ser.