Luz, Se Feres…
Alexandre Cabanel
Luz, se feres, é porque te tornaste a escuridão. Nunca, todavia, abdiquei da noite mórbida, tampouco reneguei seus ares frígidos. Luz, se feres, és manhã. E nestas terras Múrmuras a tua face é lacrimal, símil à minha. Tua alvorada lôbrega e noturna permeia o coração que aqui te clama. Luz, se feres, faz-me tua. Prostra-me ao leito que abriga o bálsamo da tez, pertenço às tuas mãos, porque és anjo, caído à sombra-e-lume de tua essência. Luz, se feres, que assim seja. Penetra-me o ventre co’a tua rigidez enquanto a minha lamúria é regozijo. Vislumbro em teu olhar tanto viril, a morte a me beijar os lábios úmidos. Luz, se feres, verta o sangue e, vem, deflora a mi’a vestal nascente fértil.
Não sei, ó Luz, se feres, pois grande é-me o desejo, o qual se pulsa, ímpeto, porque teu símbolo o liberta; sei, porém, que a culpa em silencim me oprime quando ao templo inverto a prece. Luz, se feres, serás breve co’a marca que abrasarás no seio meu; peço que apareças pouco antes no revelar-me de tua forma. Luz, se feres, fira, eu suporto por amar-te estranhamente, pela dor de minha mágoa diligente nascida em prematura infância, quando o mundo humano e as vestes da deidade sufocaram a alegria de meu ser, tão só era eu mesma, apenas eu, uma menina. Agora, há tanto tempo, o quanto amarga… e tu, ó Luz, que tantos dizem má, é única a luzir no meu anseio, a única a brilhar no meu altar.
Silencie seus pensamentos por um instante e, então, ouça o canto do sereno vazio. Talvez eu sinta — na imensidão do único universo que me pertence…