A Caminho da Sonura

 

James Francis Day

 

Há tempos que os Sonetos não satisfazem minh’alma, embora eu ainda mantenha grande apreço e carinho por eles e, inclusive, vontade de escrevê-los; outrora, entretanto, este carinho era como uma obsessão em que o Soneto era, para mim, o único formato digno de ser escrito; o único que de fato abraçava minha Poética. Tal fascínio começara a se extinguir n’algum momento, talvez quando a sonoridade dos tercetos tornaram-se incômodas através da sensação de quebra do ritmo dos quartetos precedentes ou, talvez, pela ausência de sentidos e por outras razões inconscientes. Neste momento voltei-me aos quartetos dando vida a “Leleenvenur”, “Melancolia de Verão” e “Absorto”, por exemplo, obras quais considero altamente sonoras e significativas, todavia, como previsto a partir do meu caráter altamente voltado aos sentidos, eu precisava de mais além dos quartetos, eu precisava de um formato fixo poético profundamente meu.

N’um dia quente de solidão, este verão do ano de dois mil e vinte um, eu comecei a trabalhar em um novo formato fixo de poesia e havia uma única clareira, fina e tenra, disposta à minha mente sob o objetivo de iluminar o caminho que eu estava prestes a trilhar: Vinte e três versos. A partir deste luminar, encontrei a primeira disposição de estrofes e ritmos e dei vida a “Quanto o tempo resiste na memória?”. O processo de criação foi excêntrico, selecionei duas poesias prontas e mesclei-as em várias divisões, lendo-as sempre, para que eu pudesse escutar os sons das sílabas e entender em qual sequência elas se harmonizariam. Assim, cheguei à isto: 1 Monóstico, 2 Septilhas e 2 Quartetos.

A escolha rítmica partiu do meu maior conforto com a sequência 1–3–6–10 (Qua/nto o/ tem/po /re/sis/te/ na /me/mó/ria?), certamente por causa do costume de aplicá-la aos Sonetos. A escolha do Monóstico adviera como uma intuição sutil, não vos saberei explicar como, no entanto, ao criá-lo — o Monóstico — após já ter decidido pelas Septilhas a partir do som, senti-me a alma confortada; o Monóstico parecia dar o tom da poesia, como um título, mas muito mais completo, em sonância etérea. Essa impressão se confirmou quando escrevi “Quanto o tempo resiste na memória?” e se afirmou quando dei vida a “É destino a aspereza de minh’alma”. Após a escolha do Monóstico e das Septilhas, eu só poderia finalizar o poema com quartetos, pois são altamente melodiosos; eu não estava enganada, eles realmente prolongaram a beleza ressoante e trouxeram o esplêndido desfecho.

O processo de criação de “Quanto o tempo resiste na memória?” foi, como posso vos dizer? Mágico! Atravessei um oceano mundano e encontrei a ilha do fascínio poético do Ser, tudo através deste formato fixo de poesia que, repleto de sentidos, dançara uma valsa comigo, aliás, só poderia ser uma valsa, o rítmo ternário é o mesmo, em partes. A valsa da minha alma, da alma humana. Em êxtase, ao finalizar, percebi que minha obra estava repleta de memória, completamente imersa em sentimentos de ternura, brandura, agrura e tristura — características quais se desvelaram também no “É destino a aspereza de minh’alma”. Ora, quantas “nuras”! E quantos “sons”! Eis que dei à luz a uma “Sonura”. Sinto-me completa, ou melhor, a caminho da completude; quero compreender mais profundamente a valsa da Sonura, como ela abraça e sorve de minha poética e meu fascínio pelas letras; uma coisa já me tem na certeza: não errei meus primeiros passos, os vinte e três versos, mas, agora, diga-me você, leitor, o que sente ou sentiu ao ler as duas primeiras Sonuras?

Sahra Melihssa

Poeta, Escritora e Sonurista, formada em Psicologia Fenomenológica-Existencial e autora dos livros “Sonetos Múrmuros” e “Sete Abismos”. Sahra Melihssa é a Anfitriã do projeto Castelo Drácula e sua literatura é intensa, obscura, sensual e lírica. De estilo clássico, vocábulo ornamental e lapidado, beleza literária lânguida e de essência núrida, a poeta dedica-se à escrita há mais de 20 anos. N’alcova de seu erotismo, explora o frenesi da dor e do prazer, do amor e da melancolia; envolvendo seus leitores em um imersivo, e por vezes sombrio, deleite. A sua arte é o seu pertencente recôndito e, nele, a autora se permite inebriar-se em sua própria, e única, literatura.

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